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Dicionário da Cultura Pampeana Sul-Rio-Grandense, de Aldyr Garcia Schlee

Crédito da foto: José Walter de Castro Alves Quando li o artigo de Paula Sperb em “Conte-me um conto, mas que seja lindo e feio como a...


Crédito da foto: José Walter de Castro Alves


Quando li o artigo de Paula Sperb em “Conte-me um conto, mas que seja lindo e feio como a vida” (ardotempo, 2019, Jaguarão/Pelotas), “o livro do sonho de Aldyr Garcia Schlee” (1934-2018), respirei fundo. Paula diz que “A literatura de Schlee transborda para a vida de quem lê”. E eu estava tomada pela literatura do escritor. Absorvia suas palavras, sentia o cheiro dos lugares e dos personagens. Suas dores, suas alegrias, suas vidas à margem – mergulhadas em rotinas previsíveis, solitárias, desgarradas, esquecidas no tempo, perdidas em lugarejos, às vezes desesperadas, às vezes desvairadas, sem eco, mas cheias de desejos e humanidade – pulsavam em mim, como se minhas fossem. E são. Inevitavelmente.

A obra de Schlee provoca uma turbulência de sentimentos cotidianos que comovem pelo não dito, pela simplicidade e pela dimensão da tragédia humana ali estampada, anunciada e silenciada. “A fala, quem a faz é o povo” e sua literatura é feita do povo.

No dia 20 de março, na cerimônia de lançamento do “Dicionário da Cultura Pampeana Sul-Rio-Grandense” (Fructos do Paiz, Pelotas, RS, 2019), no Palácio Piratini, ao colocar as mãos neste “trabalho de toda uma vida”, como ele mesmo definiu, senti um emaranhado de emoções. Além do orgulho de ter integrado a equipe de revisores desta obra fundamental, com a parceria do jornalista e amigo José Walter de Castro Alves. Foi um trabalho meticuloso, instigante e desafiador. Aprendemos muito e vivemos aquele momento incrível de satisfação e realização profissional. O dicionário tem o patrocínio da Braskem, através do financiamento do Pró-Cultura RS.

A cerimônia de lançamento foi simples e cheia de afeto. Schlee certamente não concordaria com tudo o que ali aconteceu. Mas foi uma maneira sensível e delicada de falar da sua longa pesquisa, da sua paixão, da sua trajetória impressionante pelo universo das palavras e das fronteiras. E, claro, possibilitar que as pessoas que estiveram sempre muito próximas dele falassem do escritor genuíno que é.

Em entrevista para o jornal Extra Classe, no final de outubro de 2018, ouvi dele: “Este dicionário que estou produzindo e que está quase no final é uma obra personalista. É o meu dicionário. Traz a minha perspectiva de mundo, o meu posicionamento sobre o processo cultural pampeano, sobre a cultura de uma região fronteiriça. Cada verbete é uma grande dissertação, mesmo sintético na sua escritura”.

A fronteira, para Schlee, é uma espécie de espelhismo. “Meu mundo literário está vinculado fortemente com esta fronteira, com o outro lado do rio, onde está o Uruguai. Não é uma terra só. É o outro lado. E eu ainda não entendi a diferença que há entre um lado e outro. É o mesmo lado. É onde a gente se vê, onde a gente se reconhece, onde a gente se espelha. Por isso, minha literatura é toda perpassada por esta marca”.

Especialista em literatura gaúcha e uruguaia, Schlee publicou mais de 15 livros, entre contos, ensaios e romances, e sua obra integra mais de seis antologias. Ele fazia questão de dizer que o foco principal da sua literatura sempre foi a identidade cultural que permeia as relações fronteiriças, os outros lados que pontuam as relações humanas na região. Foi por essa paixão que Schlee se dedicou durante muitos anos à produção e à finalização do Dicionário da Cultura Pampeana Sul-Rio-Grandense, obra de fôlego, em dois volumes, que ele assina sozinho e que, agora, chega ao público. Inicialmente será entregue para instituições de ensino, pesquisa e bibliotecas e depois ficará disponível para download.

Doutor em Ciências Humanas, Aldyr Garcia Schlee é um em muitos. Escritor, jornalista, tradutor, desenhista, professor universitário, ao longo da vida criou jornais, ganhou prêmios literários e jornalísticos, fundou a Faculdade de Jornalismo da Universidade Católica de Pelotas/UCPel, de onde foi expulso durante o golpe militar de 1964, quando foi preso. Schlee criou ainda o uniforme verde amarelo da seleção brasileira de futebol. É natural de Jaguarão, cidade ligada a Rio Branco, no Uruguai, por uma ponte, e essa fronteira marcou profundamente sua vida e sua criação literária. Tanto que a ponte, em foto assinada pelo amigo Gilberto Perin, está estampada na capa de O Outro Lado – Noveleta Pueblera (Editora Ardotempo, 152 páginas), lançado no dia 3 de novembro de 2018, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul/Margs, em plena Feira do Livro de Porto Alegre. Schlee morreu logo depois do lançamento, em 15 de novembro.


Fonte: Isso não é comum | Sul21

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