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Jayme Caetano Braun: Este gaúcho não morreu

"E um dia, quando souberes,/ que este gaúcho morreu,/ nalgum livro serás eu/ e nesse novo viver/ eu somente quero ser/ a mais apagada ...

"E um dia, quando souberes,/ que este gaúcho morreu,/ nalgum livro serás eu/ e nesse novo viver/ eu somente quero ser/ a mais apagada imagem/ deste Rio Grande selvagem/ que até morto hei de querer!".

A transcrição desses versos (última estrofe da poesia Meu Verso) na capa de um grande jornal da Capital há mais de dez anos (ZH, 09.07.1999) e o destaque dado à obra do grande Payador no Correio do Povo e jornais do interior, entre os quais os de Erechim, por ocasião de seu falecimento em 8 de julho de 1999, fazem justiça a esse inconfundível gaúcho. Aliás, ele faleceu no dia do meu aniversário, um pequeno capricho do destino considerando que sou admirador e modesto intérprete de suas incomparáveis poesias.

Entre tantos versos de Jayme há esse, que fala da morte. A morte do corpo, evidentemente, porque a obra dos grandes é imortal quando resguardada nos arquivos (bibliográficos, eletrônicos etc.) e na memória dos que, depois de percebê-la e admirá-la, sabem também preservá-la. É aqui que orgulhosamente me incluo, pois há tempo identifiquei nesse poeta-payador qualidade e sensibilidade incomuns.

Assim, sabem os que comigo convivem, que demonstro essa admiração declamando as suas poesias. E, confesso, à excepcional qualidade e beleza dos versos de Jayme devo a parcela maior de alguns elogios recebidos em reuniões de amigos, quando a declamação de poesias gauchescas nos propicia breves momentos de descontraída alegria.

Neste artigo homenageio e reverencio – nos doze anos de morte – a figura de quem tanto fez pela cultura gaúcha, o imortal Jayme Guilherme Caetano Braun, entre todos os gaúchos o maior payador (do espanhol: "cantor popular errante, geralmente gaucho (...). É o trovador dos pampas da América do Sul"; "payar: Arg., Chile. Trovar, cantar" – cf. Dicionário Espanhol-Português, Ed. Nobel, 1992, 12ª ed. pág. 198). Sim, cultura e arte – a desafiar quem quer que seja a afirmar o contrário –, também plena de lirismo, pelo ardor e exaltação manifestados ao expressar os sentimentos de nossa gente.
 

Jayme Caetano Braun em Erechim

Com carinho relembro a apresentação de Jayme Caetano Braun nesta cidade, faz alguns anos, no 25 de Julho, quando, sem que se percebesse desde logo, saudou o público em versos rimados, bem ao seu estilo.

Na época, era comum a referência irônica ao poder exercido pelo superministro Delfim Neto (Ministro da Fazenda e depois do Planejamento), e o poeta Jayme, depois de várias comparações, conquistou a platéia com estes criativos versos: "não há bochincho sem peleia,/ não há crise sem Delfim,/ não há Brasil sem Rio Grande/ e não há Rio Grande sem Erechim". Apenas tenho alguma dúvida sobre o primeiro verso, porém os demais foram assim mesmo e eventual diferença não lhes altera o sentido.

Aliás, essa minha lembrança de alguns dos seus versos mostra que realmente há milhares de outros, da mais pura beleza, que, apesar da imensa obra escrita e gravada deixada por Jayme, "o mais se perdeu nas noites de galpão", como disse o poeta Balbino Marques da Rocha.

 
Breves anotações sobre a vida de Jayme

Jayme Caetano Braun, o Chimango, gaúcho missioneiro, filho de João Aloysio Braun e Dona Euclides Caetano Braun (Quida) nasceu em 30.01.1924, na Estância Santa Catarina, na Timbaúva, hoje Bossoroca e então pertencente a São Luiz Gonzaga. Viveu na fazenda de seu Tio Danton Ramos, poeta, autodidata, o que lhe proporcionou tomar gosto pela arte e pela lida de campo, pois convivia com os peões. Desde guri improvisava versos, trovava.   

Certo dia, resolveram que o guri tinha que estudar em Porto Alegre e o matricularam no famoso Colégio Júlio de Castilhos. Em meio ao primeiro semestre do segundo ano científico desistiu e voltou a São Luiz Gonzaga, de trem. Não aguentou a saudade do campo. Tio Danton compreendeu-o.

Teve a sua própria fazendinha (alguns hectares dados por seu Danton), seus cavalos, ovelhas e cachorros. Foi bolicheiro, mas sempre mantendo seus cavalos e a lida campeira; participava de corridas de cancha reta e de rinhas. Fazia rezas. Jogava truco. Domava. Curava bicheiras.

Um fato mudou outra vez a vida de Jayme. O tribuno Ruy Ramos, Deputado Federal e irmão de Danton, achou uma barbaridade aquele talento não estar no mundo. E levou Jayme e D. Nilda, sua esposa, para Porto Alegre. Trabalharam ambos no IPASE, ela escriturária e ele auxiliar de farmácia.

Jayme ficou conhecido como poeta. Participou do histórico 1º Congresso Tradicionalista de Santa Maria, em 1954. Acompanhou Getúlio, Ruy Ramos, Jango, Brizola, Amir Dornelles e Egydio Michaelsen em campanhas políticas. Brizola o convidou para Diretor da Biblioteca Pública do Estado, o que propiciou a Jayme sentir-se em seu ninho e ler de tudo. Em 1962 concorreu a Deputado Estadual, ficou suplente e assumiu por dois dias, tendo feito um brilhante discurso de posse, de improviso, no dia 4 de fevereiro de 1965.

Desistiu das lides políticas, pois seu temperamento franco não ficava bem com conchavos e idas e voltas, como relata Nei Fagundes Machado no livro Jayme Caetano Braun, o Grande Payador (Evangraf, 2010, p. 73): “Quero ser poeta gaúcho e Payador Missioneiro. Nada mais!”

Nico Fagundes conta que em 1962, no Congresso Internacional de Tradicionalismo, Jayme conheceu grandes payadores do Uruguai e da Argentina, que sempre cantavam com violão. E foi nesse encontro que Jayme inventou a payada declamada, sem violão.

O grande poeta teve também percalços na vida: A decepção com o golpe de 1961, que impediu a posse de Jango, seu amigo; a morte de Ruy Ramos e esposa em 1962 (desastre aéreo); a morte do Seu Danton; e, especialmente, a morte de seu filho Marco Antonio, com apenas 37 anos, foram fatos marcantes. E este último, extremamente doloroso. Jayme ficou desnorteado. Sofreu enfarte. Feriu-se com arma de chumbo. Sobreviveu, porém ficou depressivo. Enfim, deixou esta querência naquela noite de julho, em Porto Alegre.

 
Mais versos de Jayme

Esta homenagem será mais autêntica se mostrado um pouco dos versos do payador maior, como e além dos conhecidíssimos inseridos em Bochincho; Galo de Rinha; Última Rinha; Avô Maragato; Galpão Nativo; Arroz Carreteiro; Chimarrão do Estrivo; Trovador Negro; Petiço Baio ou no clássico Tio Anastácio.

Alguém por acaso não se comoverá com os versos de Hora da Sesta? Se não precisa ser ou ter sido peão ou interiorano para vislumbrar o mais puro encantamento nesse poema, com certeza será mais marcante aos que já sestearam num galpão e aos que conhecem como era (ou ainda é) a vida que leva um piá de estância.

Em Galpão Nativo, na primeira estrofe: "Meu velho galpão de estância,/ da pampa verde-amarela/ que ficou de sentinela da história da nossa infância,/ és um marco na distância/ da velha capitania/ porque foste a sacristia/ do batismo do gaúcho/ quando moldou-se o debuxo/ da Pátria que amanhecia." E segue: "Essa a legenda - essa a história,/ essa a história - essa a legenda/ dessa rústica vivenda,/ da luta demarcatória,/ da luta emancipatória,/ da velha Pátria comum,/ não há preconceito algum/ no velho galpão campeiro,/ ao pé de cujo braseiro/ sempre há lugar pra mais um." E arremata: "Se não houver campo aberto/ lá em cima quando eu me for,/ um galpão acolhedor,/ de santa-fé bem coberto,/ um pingo pastando perto,/ só de pensar me comovo,/ eu juro, pelo meu povo,/ nem todo o céu me segura,/ retorno à velha planura/ prá ser gaúcho de novo."

Portanto, se o poeta "não voltou" é porque "lá em cima", existe um galpão acolhedor, um pingo amigo, um cusco para roçar nas botas do gaúcho e outras cositas más, porquanto se não existissem, céu não seria...

Deve ser destacado que o Chimango também fez versos cômicos, com muita picardia, bem de acordo com o jeito manero do gaúcho galponeiro, sendo co-autor de uma poesia que faz muito sucesso em momentos de descontração (que todavia obrigo-me a censurar até o título, aqui, apenas podendo referir um cognome, Bombacha Branca), a que revela os "amores" do peão grosso e relegado aos fundos de campo, impossibilitado até de freqüentar "as casas" na cidade, e por isso obrigado a quebrar o galho "perto de um angico caído"...

Essa característica se manifesta em Paraíso Perdido: "é o bicho mais burro o "home"/ pois tudo corria bem,/ ninguém roubava ninguém,/ ninguém trocava de nome,/ ninguém morria de fome,/ nem havia o diz-que-disse,/ foi preciso que existisse/ um asno nessa Canaã:/ - Adão comeu a maçã,/ embora Deus proibisse!" E segue: "E a gente logo imagina,/ pois tudo foi de improviso,/ a sombra do paraíso/ coberto pela neblina,/ a Eva - um florão de china,/ o pai Adão - cabeludo,/ índio grosso - sem estudo,/ desajeitado - sem roupa,/ viu a maçã "dando sopa"/ e comeu, com casca e tudo!"

E sem perder jamais a capacidade de expor a alma gaudéria, em Origens: "Se me perguntam - respondo,/ venho da terra jesuíta,/ sou daqueles que acredita/ que o mundo velho é redondo,/ sou gaúcho e não escondo,/ do meu orgulho de sê-lo;/ mistura de terra e pelo,/ misto de touro e de potro/ que não podem fazer outro,/ porque extraviou-se o modelo!". Seguindo: "Quem se declara inimigo/ das cousas do nativismo,/ não deve ter o cinismo/ de procurar nosso abrigo,/ nem presente – nem antigo,/ prá que nada se confunda,/ há o perigo de uma tunda,/ pra não ser mal-ensinado/ - que todo o piá malcriado/ leva um planchaço na bunda!".
 

Arrematando com orgulho de Jayme

 O Estado do Rio Grande do Sul não foi ingrato com seu grande poeta. A Lei nº 11.676, de 16.10.2001, instituiu o “Dia do Pajador Gaúcho”, a ser comemorado no dia 30 de janeiro, data de nascimento de Jayme Caetano Braun. Em todos os rincões do Estado ele é lembrado e elogiado, numa inquestionável unanimidade no orgulho de uma obra plena, irretocável.

Por oportuno, quero registrar o meu contentamento, como Diretor da Subseção Erechim da OAB/RS e ex-Conselheiro Estadual, pela denominação de Galpão Crioulo Jayme Caetano Braun, no Acampamento Farroupilha da Capital gaúcha, em 1999, numa  merecida homenagem dos advogados gaúchos a esse que foi um grande gaúcho, demonstrando a sensibilidade da classe também no que concerne às questões culturais do nosso pago.

O deputado Ruy Ramos, ao prefaciar o livro Galpão de Estância, no longínquo ano de 1954, afirmou: "Jayme Braun é hoje no Rio Grande o mais gaúcho dos nossos poetas crioulos e aquele que sabe imprimir no verso o toque mais sensível e pessoal. A cada poema Jayme reserva um arremate que desperta um arrepio emocional." No final de sua apresentação, o prefaciador também arrematava dizendo que acendia uma vela rústica (fazia um pedido) ao Negrinho do Pastoreio "para que, nessa busca constante da perfeição, possa encontrar Jayme Braun na tropilha das gerações e colocá-lo, um dia, entre os eleitos da imortalidade...".

A obra de Jayme Caetano Braun apenas iniciava, para alegria de todos os que sentem na alma o sentimento de apego a esta terra, o nosso grande e glorioso Rio Grande do Sul.

Depois disso, Jayme ainda compôs incontáveis e extraordinários versos, e todos, indistintamente, comprovaram: Ruy Ramos estava certo!

Erechim, RS, 08.07.2011
Narcy Antonio Maldaner – OAB/RS 15.137
adv.maldaner@gmail.com

Fonte: BomdiaRS.com
Colaboração: Hilton Araldi

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