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Revolução de 1923

General José Antônio Mattos Netto e seus oficiais, Revolução de 1923 Foto: Guia da Bombacha O ano de 1923, no Rio Grande do Sul, foi ma...

General José Antônio Mattos Netto e seus oficiais, Revolução de 1923
Foto: Guia da Bombacha


O ano de 1923, no Rio Grande do Sul, foi marcado pelo confronto, entre os assisistas e borgistas, conhecido como Revolução de 23 ou Assisista. O primeiro grupo, compondo a oposição, era formado pelos dissidentes do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e antigos federalistas (maragatos), reunidos, sob a liderança do diplomata e pecuarista Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857- 1938). O segundo grupo, composto por chimangos (antigos pica-paus), era liderado por Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961) que governou o Estado, por mais de 20 anos, de forma ditatorial.

A Revolução de 1923 teve a duração de 300 dias, totalizando vinte e um combates, nos quais se perderam mais de mil vidas. Este confronto possui causas e origens semelhantes às da Revolução Federalista (1893-1895), na qual a questão fundamental era o caráter político-ideológico e a disputa pelo poder.

O historiador Arthur Ferreira filho (1899-1996), em sua obra História Geral do Rio Grande do Sul / 1503-1964 p.167, escreveu: “Para gáudio de nossa gente, os guerreiros de 23 portaram-se, em geral, como homens civilizados. Foi uma revolução relativamente humana. A prática odiosa de matar os prisioneiros foi raramente empregada, e sempre à revelia dos chefes responsáveis.”

O termo chimango (lenço branco), que se refere a uma ave de rapina magra e de nariz comprido e curvo - muito comum dos pampas - ficou consagrado na obra do médico, político e jornalista Ramiro Barcelos (1851-1916), cujo título é Antônio Chimango. Nesta obra, o autor se utilizando do codinome de Amaro Juvenal, critica e satiriza a figura do Presidente do Estado Borges de Medeiros. A obra foi escrita após Ramiro Barcelos ter perdido a disputa, pela presidência do Senado, para o ex-presidente da república o Marechal Hermes da Fonseca (1855-1923) A expressão Chimango substituiu o termo picapau que, durante a Revolução Federalista (1893-1895), identificava os republicanos sob a liderança do Presidente do Estado Julio Prates de Castilhos (1860- 1903). O nome era alusivo ao quepe das forças republicanas que se assemelhava à ave pica-pau. A obra Antônio Chimango, considerada uma joia da literatura regional, foi publicada em 1915.

O termo maragato (lenço vermelho) está ligado aos seguidores do líder político Gaspar Silveira Martins (1835-1901) que fundou, em 1892, na cidade de Bagé, o Partido Federalista (PF), antigo Partido Liberal, durante o Império, que fazia oposição ao Partido Republicano Rio-grandense (PRR), liderado por Julio Prates de Castilhos (1860-1903). Os gasparistas ou maragatos defendiam o sistema parlamentarista de governo. Outra alcunha dado à oposição era quero-queros, devido a instabilidade de seus acampamentos que se deslocavam constantemente, durante a guerra, o que caracteriza essa ave dos Pampas Gaúcho.

A origem da expressão nos remete a uma região na Espanha, conhecida como Maragateria, cujos habitantes eram vistos como bandoleiros, ou seja, pessoas de péssima reputação. No Uruguai, eram denominados de Maragatos os descendentes desses imigrantes espanhóis oriundos daquela região. Com a posse de Julio de Castilhos, em 1893, na Presidência do Estado, muitos liberais se retiraram para o Uruguai. Gaspar Silveira Martins (1835-1901), que se encontrava exilado, na Europa, retorna ao estado, fundando o Partido Federalista (PF), em 31 de março de 1892, na cidade de Bagé. Reunidos, novamente, em torno de seu líder, os maragatos passam a se articularem para derrubar o governo de Julio de Castilhos, dando início a Revolução Federalista (1893-1895) que resultou em 10.000 mortes e na consolidação do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) no poder.

Com a morte do líder Julio Prates de Castilhos, em 1903, seu sucessor Borges de Medeiros deu continuidade à política, baseada na filosofia positivista de Augusto Comte (1798-1857), que ficou conhecida como “Ditadura Científica”, governo autoritário e centralizador, que dominou o cenário político do Rio Grande do Sul por longos anos. O governo positivista preconizava pela ordem social, sendo o progresso uma consequência natural da sociedade. De acordo com essa filosofia, o governo sabia o que era bom e necessário para o povo. A sociedade, sob essa nova ordem, seria organizada por banqueiros, industriais e técnicos. Borges de Medeiros esteve no poder de 1898 a 1928, tendo apenas uma interrupção, no período de 1908 a 1913, no qual continuou liderando o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e preparou o seu retorno ao poder, onde permaneceu até 1928.

No ano de 1908, ocorreu uma dissidência, dentro do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), quando Assis Brasil e Fernando Abbott fundaram o Partido Republicano Democrático (PRD), fazendo oposição ao PRR. Este foi o único período em que Borges de Medeiros não esteve no poder, sendo o cargo assumido por Carlos Barbosa Gonçalves (1851-1933) do PRR que venceu as eleições, em 1907, com 61.073 votos enquanto seu opositor Fernando Abbott teve 16.431 votos. Ele governou o estado de 1908 a 1913.

O atual Palácio Piratini, nome alusivo a 1ª capital farroupilha, teve suas obras iniciadas durante o seu governo. O famoso monumento que homenageia Julio de Castilhos, de autoria do artista Décio Villares (1851 -1931), na Praça da Matriz (Marechal Deodoro da Fonseca), foi obra de seu governo. Carlos Barbosa criou, também, a Escola de Artes Plásticas e o Instituto de Belas Artes. No dia 26 de setembro de 1922, uma comissão, composta pelos generais Manoel Teófilo Barreto Viana e Firmino de Paula e Drs. Pedro Luz da Rocha Osório, José Montaury de Aguiar Leitão e Lindolfo Collor, indicou o nome de Antônio Augusto Borges de Medeiros, líder do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), para concorrer pela quinta vez à presidência do Estado do Rio Grande Sul. A oposição indignada, composta por federalistas e republicanos dissidentes, lançou a candidatura de Joaquim Francisco de Assis Brasil, visando a romper com o continuísmo de Borges de Medeiros no poder e a restaurar a democracia.

As eleições que se realizaram, em 25 de novembro de 1922, no Rio Grande do Sul, confirmaram a reeleição para o 5º mandato de Borges de Medeiros, vencendo seu oponente Joaquim de Assis Brasil. Embora a oposição tivesse denunciado fraude eleitoral, com votos de ausentes e defuntos, roubo de urnas, perseguições e assassinatos, o resultado foi confirmado, pela Comissão de Constituição e Poderes da Assembleia Legislativa, em 16 de janeiro de 1923. Esta era composta, exclusivamente, por representantes da situação que confirmaram o resultado das urnas. Durante a contagem dos votos, a oposição foi proibida de entrar no local. Nessa comissão se encontravam Getúlio Vargas, Ariosto Pinto e Vasconcelos Pinto, conforme noticiou o Correio do Povo de 17 de janeiro de 1923.

É perpetuado, pela tradição oral, que essa comissão de verificação dirigiu-se ao palácio, a fim de comunicar a Borges de Medeiros a vitória de Assis Brasil, porém o presidente do estado se antecipou e falou: “Já sei! Vieram felicitar-me pela minha reeleição”. Esta atitude causou constrangimento e fez com que a comunicação oficial da derrota não se efetivasse. Essa eleição fraudulenta foi o estopim para a eclosão do confronto no dia 25 de janeiro de 1923. A prática política de fraude eleitoral, característica marcante desse período, dava-se por meio dos coronéis que manipulavam as eleições, garantindo, desta maneira, os votos para a vitória dos candidatos da situação. O coronel do partido era o elemento de ligação entre o governo central e o poder local. Assumindo o papel de benfeitor social, protetor e aliciador eleitoral, gerava violência política à oposição e garantia benefícios aos que lhe eram leais.

Sobre a prática do voto de cabresto, o pesquisador Jesus Pfeil nos relata que o Partido Republicano Rio-grandense (PRR) contou com Francisco Sanchez Filho (1889-1931), o famigerado Paco, em Bento Gonçalves. Este e outros comparsas tinham a missão de “convencer” os eleitores a “rabo de tatu” naquela localidade.

Após esta eleição, conturbada e fraudulenta, o governo eleito passou a comprar armas e munições, enviando-as, principalmente para as intendências (prefeituras) de Soledade e Caxias, prevendo uma reação da oposição inconformada com o pleito, conforme registro no jornal Correio do Povo de 27 de dezembro de 1922.

O Rio Grande do Sul, na época, tinha 267.690 eleitores nos 72 municípios. Foram 106.319 votos conquistados por Borges de Medeiros, enquanto seu opositor, Assis Brasil, obteve 32.217. O número de votos deveria corresponder aos ¾ exigidos pela Constituição do Estado para confirmar a elegibilidade. Em Porto Alegre, foram anulados 1.026 votos. Calcula-se que no pleito foram subtraídos mais de 6.317 votos da Aliança Libertadora.

Diante da fraude, no dia 25 de janeiro de 1923, quando Borges de Medeiros assumiu o governo, iniciou o movimento armado, em Passo Fundo e Carazinho, que ficou conhecido como Revolução de 23 ou Revolução Assisista. O Gen. João Rodrigues Menna Barreto e o Cel. Salustiano Pádua rebelaram a localidade de Passo Fundo. Em janeiro e fevereiro, a Revolução abrangeu, também, Palmeira das Missões, Nonoai e Erechim. Os líderes maragatos Honório Lemes da Silva (1864-1930), o Leão do Caverá, José Antônio Matos Neto (1864 -1948), conhecido como Zeca Netto, e Felipe Portinho (1865-1947), na área da Campanha, formaram tropas, incluindo estancieiros, peões, militares, estudantes e desocupados, no geral, todos mal armados. Em diversas cidades gaúchas, as senhoras organizaram a Cruz Vermelha Libertadora para socorrer os feridos. A oposição não teve o apoio dos sindicatos de trabalhadores, que se mantiveram neutros, por considerarem a Revolução de 23 uma briga de coronéis.

Em Porto Alegre, distante da ameaça de Revolução, o cotidiano seguia normal com cinemas, teatros, bailes e partidas de futebol. O Carnaval de 1923, na capital gaúcha, ocorreu bastante animado pelos blocos: Filosofia, Rei da Pândega, Cadê o Homem, Gaúchos Carnavalescos, Zaluski Encantado, entre outros, que participaram da folia de Momo, registrada no Correio do Povo de 11 e 12 de fevereiro de 1923.

Ao finalizar o mês de abril, a Revolução se expandiu pelo resto do estado. Carazinho teve sua emancipação negada pelo governo borgista; porém os assisistas (maragatos ou bandoleiros) a emanciparam dando–lhe o nome de Assisópolis numa homenagem ao seu líder Joaquim de Assis Brasil. Esta denominação permaneceu enquanto durou o conflito. Após a pacificação, a cidade retornou ao antigo nome. Eram mais de 3000 homens sob o comando do deputado federal Artur Caetano que avisou, por meio de um telegrama que o “sangue correria”, caso Borges de Medeiros não renunciasse.

A Revolução de 1923 ou Libertadora foi tramada por João Batista Luzardo, Artur Caetano e Adalberto Correia, a partir de um quarto do Hotel América no Rio de Janeiro. O comando civil, passado a Assis Brasil, buscava apoio nos bastidores da política no Rio de Janeiro. Os assisistas que haviam apoiado a eleição do presidente Artur Bernardes, em 1921, esperavam que o presidente realizasse uma intervenção federal, impedindo a posse de Borges de Medeiros, embora a intervenção, por parte do poder federal, fosse proibitiva pela Constituição Federal de 1891, conforme o artigo 6º. Borges de Medeiros, político hábil, aproximou-se do presidente em exercício, frustrando as expectativas maragatas.

De acordo com o artigo “Revolução de 1923”, do historiador Moacyr Flores, publicado no livro Correio do Povo / 100 anos, no dia em que iniciou a Revolução de 23, Assis Brasil encontrava-se no Rio de Janeiro, dando uma entrevista ao jornal carioca A Rua (1914-1927), Durante seu depoimento, ele negou o movimento armado no Rio Grande do Sul, porém contestou a legitimidade da posse de Borges de Medeiros. Na mesma data, no Rio Grande Sul, Borges de Medeiros, em sua posse, desconstruía as acusações da oposição, negando a fraude eleitoral. O presidente do Estado, acerca da sua reeleição, afirmava que as três quartas partes, de acordo com a Constituição, eram dos votantes e não dos eleitores cadastrados.

A crise na pecuária, aliada à sua reeleição fraudulenta, foi o estopim, para que se iniciasse o confronto. O Presidente do Estado Borges de Medeiros não atendia às reivindicações, principalmente, do setor pecuarista, pois fiel à doutrina positivista, alegava que o Estado existia para todos e não para uma determinada classe, geralmente, abastada e que não desejava “abrir mão” de seus privilégios.

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foram restringidas as importações brasileiras, provocando o aumento da produção rio-grandense, a exemplo da carne, arroz, banha, feijão e charque para outros estados. Diante desse quadro promissor, os agro-pecuaristas gaúchos efetivaram grandes empréstimos bancários visando à ampliação e melhorias de seus negócios. Com o término da guerra, a recessão econômica atingiu os frigoríficos que diminuíram suas operações, resultando em uma crise na pecuária devido à redução da compra de gados para os abates. Os frigoríficos Swift, Armour e Anglo, sob o controle do capital norte-americano, controlavam o abate e o preço do gado em pé.

Em 1919, Borges de Medeiros, de acordo com seu programa de melhoria dos transportes, deu início à encampação do porto de Rio Grande (1919) e da rede ferroviária (1920), em mãos da Compagnie Française du Port do Rio Grande do Sul, Esta companhia não conseguia levantar fundos, na Europa, devido à I Guerra Mundial (1914-1918). Para atingir o seu objetivo, Borges de Medeiros retirou os depósitos da rede bancária do estado, comprometendo as reservas estaduais. Esta atitude agravou ainda mais a crise. Na realidade, ocorreu que as encampações não baratearam o frete da ferrovia e das tarifas portuárias do porto de Rio Grande, que se mantiveram elevados, tendo menos custos exportar pelo porto de Montevidéo. Com a retirada dos depósitos do Tesouro Estadual, os bancos restringiram o crédito e executaram hipotecas em 30 dias, ficando os produtores sem capital de giro e sem meio de realizarem os pagamentos. A prática econômica de Borges de Medeiros não correspondia à realidade da região da Campanha, causando o descontentamento dos produtores. Esta crise na pecuária se constituiu numa “pólvora” para a eclosão da Revolução de 23.

IMPRENSA

Durante o período, no qual a Revolução de 1923 se desenrolou, a violência contra a imprensa foi predominante. A oposição promoveu o empastelamento de diversos jornais governistas, ocorrendo, em alguns casos, o espancamento de seus redatores. Na cidade de Quaraí, a sede do jornal O Cidadão, Órgão do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), fundado em 1908, foi destruída quando Honório Lemes, “O Leão do Caverá”, tomou a cidade. Este periódico, de acordo com o pesquisador João Batista Marçal, foi o de maior longevidade, em Quaraí, circulando em torno de 30 anos. O Diário Popular (1890), de Pelotas, quase sofreu o mesmo destino, tendo a intervenção de Zeca Netto (Condor dos Tapes) que impediu a sua destruição. O Dever, fundado em Bagé, em 1901, circulou até meados da década de 30, sendo porta-voz do Partido Republicano Rio-Grandense.

Em resposta aos maragatos, os borgistas procuraram silenciar os jornais da oposição, por meio das autoridades, proibindo a circulação de diversos periódicos, entre eles: O Correio do Sul (1914-2008) fundado, em Bagé, por Fanfas Ribas que sofreu represálias; O Maragato de Santana do Livramento, sob a direção de Rafael Cabeda e Rodolfo Costa, passou a ser editado, em Rivera, a partir de 17 de março de 1897, devido a questões políticas que geravam perseguições e o Correio da Serra, de Santa Maria, fundado, em 1917, por Arnaldo Melo, que circulou até 1930, defendendo a bandeira maragata.

Em Porto Alegre, segundo o jornalista e pesquisador Francisco Rüdiger, em seu livro Tendências do Jornalismo, O Democrata, publicado durante a Revolução de 23, foi a principal vítima da repressão, sendo fechado pela polícia. Este periódico era contrário à ditadura de Borges de Medeiros e à presidência de Arthur Bernardes, trazendo em seu cabeçalho o curioso dístico: “Rezemos no altar da Pátria, o “De Profundis”, da ditadura rio-grandense”. Outro periódico de oposição ferrenha, surgido em Porto Alegre, foi a Última Hora que realizou intensa campanha contra a candidatura de Borges de Medeiros. Lançado em 1914, a Última Hora foi o porta-voz da oposição, cobrindo em suas matérias a Revolução de 23. Este periódico deixou de circular após 03 anos do final confronto de 23, em fevereiro de 1926.

Um dos expedientes utilizados, pela máquina borgista, era o controle policial que foi vivenciado pelo historiador Walter Spalding (1901-1976). Este e outros amigos que trabalhavam na redação do jornal Última Hora, ao saírem da redação, na Rua dos Andradas, percebiam a vigilância de policiais fardados ou disfarçados, especialmente, na hora da saída do jornal para serem vendidos. Esses policiais eram os primeiros a comprá-los, ainda dentro da redação, visando à análise das matérias e à tomada de providências, caso não aprovassem o conteúdo. Na cidade de Pelotas, Frediano Trebbi, responsável pelo jornal O Rebate, foi surrado na rua e, posteriormente baleado pela Brigada Militar. Diante desse quadro de brigas e perseguições, muitos jornalistas se refugiaram no exterior, onde se publicou, entre outros jornais, A Liberdade, de André Carrazoni.

Segundo o jornalista Carlos Reverbel (1912-1997), os heróis mais pungentes, no confronto de 1923, foram Honório Lemes e Fanfa Ribas: o primeiro nas coxilhas e o segundo nas colunas do Correio do Sul.

As arbitrariedades no jornalismo político-partidário rio-grandense, na época, eram marcantes devido ao monopólio do poder, exercido pelos chimangos, que limitava o espaço de atuação da oposição maragata, confundindo as funções do político com as do jornalista.

A respeito da importância do papel da Imprensa, no processo histórico, o jornalista Juremir Machado da Silva registrou, em sua apresentação, no livro História Social da Imprensa, de José Marques de Melo: “A imprensa é História e faz História. A modernidade certamente não existiria sem ela.”

Não podemos nos esquecer de jornais , cuja longevidade comprova sua força e poder doutrinário. Neste aspecto se destacam A Federação (1884-1937) que durou 53 anos; O Diário Popular de Pelotas (1890) terceiro mais antigo jornal, ainda em circulação, no Rio Grande do Sul e a Gazeta de Alegrete (1882) o jornal mais antigo do interior do estado ainda em circulação. Estes três periódicos foram fundados, no século XIX. Representando à oposição maragata, após a proclamação da República (1889) destacou-se, em termos longevidade, o Echo do Sul. Este periódico foi publicado primeiro em Jaguarão, em 1855, com o título de Jaguarense, passando a chamar-se Echo do Sul a partir de 1857, quando foi transferido para Rio Grande. Em sua fase inicial foi conservador, passando, mais tarde, a fazer oposição ao PRR. Encerrou suas atividades em 1937. O Echo do sul circulou por 80 anos, tendo maior duração que o jornal A Reforma (1869- 1912), fundado pelo líder maragato Gaspar Silveira Martins (1835-1901) representando o Partido Liberal, durante o Império e, depois, o Partido Federalista durante a República.

As arbitrariedades no jornalismo político-partidário rio-grandense, na época, eram marcantes devido ao monopólio do poder, exercido pelos chimangos, que limitava o espaço de atuação da oposição maragata, confundindo as funções do político com as do jornalista. As violências não cessaram após a Revolução de 23, prolongando-se até a década de 30.

COMBATES

De acordo com o historiador Helio Moro Mariante (1915 – 2005), a Revolução de 1923 se caracterizou como uma típica luta de guerrilhas entre essas facções políticas. A oposição contou com forças volantes de cavalaria, mal armadas, que invadiam cidades, vilas e batiam em retirada, sugerindo a ideia de desordem. Esta promoção do caos era uma estratégia de forçar uma intervenção federal. Os assisistas procuravam evitar um confronto de maiores proporções, com as tropas legalistas, devido à falta de armamento e municiamento adequado. Diante disso, a oposição não poderia enfrentar, por muito tempo, as forças militares do governo borgista melhor aparelhadas belicamente.

Os revolucionários de 23 se organizaram, em colunas, com seus respectivos líderes, nas diversas regiões do Estado: Leonel Rocha (Norte), Felipe Portinho (Nordeste), Honório Lemes (fronteira Sudoeste), Estácio Azambuja (Centro Sul) e Zeca Netto (Sul). Havia também, outras divisões do Exército Libertador, autônomas e dispersas pelo estado: Belizário Batista (S. Francisco de Paula), Francisco Vaz (Osório), Higino Pereira (Taquari), Mena Barreto e Mariano Pedroso (Carazinho e Nonoai), Luiz Gomes (Santo Antonio da Patrulha), Juca Raimundo (Santo Ângelo) entre outros.

As forças governistas contaram com o suporte das brigadas provisórias que, depois de convocadas, recebiam treinamento, sendo comandados pelos oficiais da Brigada Militar e com o quadro efetivo da Brigada Militar do Estado. Estas eram coordenadas por Borges de Medeiros, assessorado pelo Comandante Geral da Brigada, o Cel. Afonso Emílio Massot (1865-1925) e outros oficias do Exército Nacional.

As Brigadas Provisórias, com seus respectivos comandos,distribuíam-se em 05 regiões do estado nesta ordem: Gen, Firmino de Paula (Norte), Cel, Flores da Cunha (Fronteira Oeste), Cel. Juvêncio Lemos (Sul), Cel. Firmino Paim Filho (Nordeste), Cel. Claudino Nunes Pereira (Centro-Sul). Somando às brigadas provisórias existiam corpos isolados sob o mesmo comando geral: Dr. Getúlio Vargas em São Borja; Cel. Alfredo Weber em Osório; Cel. Raimundo Neto em São Luíz Gonzaga e Cel. Paula Feijó em Guaporé; entre outros.

A Revolução de 23 foi marcada por diversos combates entre os homens do maragato Felipe Portinho e a Brigada de Firmino Paim Filho nas localidades de Erechim, Passo Fundo e Lagoa Vermelha. Outros embates ocorreram entre as tropas de Honório Lemes e as do Cel. José Antônio Flores da Cunha na fronteira oeste e missões. Na região centro-sul do estado, o Gen. Estácio Xavier de Azambuja, veterano maragato, confrontou-se com o Cel. Claudino Nunes Pereira da Brigada Militar. Na parte sul do Rio Grande, Zeca Netto enfrentou os tenentes–coronéis Hipólito Ribeiro Filho e Francelísio Meireles. O Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) contou com o caudilho uruguaio Nepomuceno Saraiva e seus companheiros, apoiando o Cel. Flores da Cunha; além da presença efetiva de Oswaldo Aranha, Getúlio Vargas, entre outros nomes.

Ocorreram confrontos importantes entre os líderes Flores da Cunha (1864-1930) e Honório Lemes da Silva (1864-1930), o Leão do Caverá. No Cerco de Uruguaiana, do dia 4 de abril de 1923 a 7 do mesmo mês e ano, Flores da Cunha, no comando dos Fronteiros da República, corpo provisório de voluntários e de praças da polícia municipal, obrigou os sitiantes a retornar à cidade de Alegrete, onde se concentrava a maior parte do exército de Honório Lemes. No confronto na Ponte do Ibirapuitã, em Alegrete, morreu, em 18 de junho, o irmão de Flores da Cunha. Este é considerado,por muitos, o mais violento combate. O fato ocorreu quando Honório Lemes ocupou, pela segunda vez a cidade, sendo expulso por Flores da Cunha. Após forçar Honório Lemes a deixar a região missioneira, as forças legalistas alcançaram os revoltosos em Olho d’Água, Município de São Gabriel, onde ocorreu em 27 de outubro outro violento combate. Pouco depois, no Passo da Armada, houve outra luta com importantes perdas para ambos os lados.

Fato curioso, que ocorreu durante a Revolução de 23, foi a promessa de José Antônio Matos Neto, o Zeca Netto (o Condor dos Tapes), líder revolucionário no sul do estado, de deixar crescer a barba e os cabelos, enquanto Borges de Medeiros não renunciasse ao governo. Com o Pacto de Paz de Pedras altas, ele e outros rebeldes, que seguiram seu exemplo, tiveram de rever a promessa.

TRATADO DE PAZ

No início de novembro de 1923, iniciaram as negociações entre borgistas e assisistas, por meio da intervenção mediadora do gen. Fernando Setembrino de Carvalho (1861-1947), Ministro da Guerra de Artur Bernardes. Embora Borges de Medeiros tivesse apoiado seu opositor Nilo Peçanha, no pleito de 1922, o Presidente da República não favoreceu os assisistas e procurou encerrar o conflito.

No dia 12 de outubro, no Teatro São Pedro, em Porto Alegre, o Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) realizou seu 1º Congresso Republicano desde 1889. O foco do encontro era o apoio à reeleição de Borges de Medeiros e os conflitos de ideias que dividiam o Rio Grande, de acordo com João Neves da Fontoura no seu livro Memórias, editado em 1958. Os borgistas não acreditavam na neutralidade do ministro que começou a percorrer as guarnições do interior, conferenciando com a oposição.

Quando o ministro da guerra, natural de Uruguaiana, gen. Fernando Setembrino de Carvalho, chegou a Porto Alegre, no dia 1º de novembro, hospedou-se no famoso Grande Hotel. Às 14:30, da sacada central do hotel iniciou seu discurso, pedindo a compreensão e o encerramento do conflito. Na sacada ao lado, um inflamado assisista agitou um lenço vermelho, iniciando as provocações. Logo em seguida, deveria ocorrer o pronunciamento do advogado João Carlos Machado, representando o PRR, porém não havia mais condições, devido à tensão do momento. Houve um grande tumulto, resultando em 06 mortes e vários feridos. Estes foram encaminhados às farmácias da Rua da Praia e à Santa Casa de Misericórdia.

Ao anoitecer, Borges de Medeiros, acompanhado por um ajudante de ordem, desceu do carro à porta do Grande Hotel. A multidão abriu caminho em silêncio, segundo o depoimento de João Neves da Fontoura em seu livro Memórias. Ironicamente, este tumulto, que resultou em mortes, ocorreu às vésperas do Dia dos Finados. Curiosamente nesta data ocorriam romarias ao túmulo de Júlio de Castilhos, no Cemitério da Santa Casa de Misericórdia, nas quais se realizavam discursos de homenagens póstumas. Esta prática positivista se encerrou com o final do período borgista no estado.

Diante do esforço conciliador de Augusto Tavares de Lira, ex-Ministro da Justiça e Juiz do Tribunal de Contas e do Ministro da Guerra Fernando Setembrino de Carvalho, após várias reuniões, com os líderes governistas e de oposição, as condições de paz foram definidas. Conforme o acordo, os assisistas deveriam assinar primeiro a ata de pacificação.

Após o encontro com Borges de Medeiros e outras lideranças, o ministro Fernando Setembrino de Carvalho se deslocou para Pedras Altas, para encontrar-se com Assis Brasil e discutirem os termos de paz.

O protocolo, que Assis Brasil assinou, em seu castelo, à noite do dia 14 de dezembro , consta dos seguintes itens: proibição da reeleição; adoção da lei federal eleitoral; garantia de mais uma cadeira para deputado estadual da oposição; adiamento para eleições para deputado e senador; anistia; reforma da Lei de Organização Judiciária; limitação de 60 dias para intendentes provisórios e presença do ministro da guerra nas eleições de 1924. O major Euclides de Figueiredo trouxe a ata para Porto Alegre, que foi assinada por Borges de Medeiros no dia 15 de dezembro de 1923. Os governistas fizeram uma grande manifestação em prol da figura do seu líder Borges de Medeiros.

Com a assinatura do Pacto de Pedras Altas, em 14 de dezembro de 1923, ocorreram mudanças no quadro político do Rio Grande do Sul, que possibilitaram alterações na Constituição de inspiração positivista de 14 de julho 1891, escrita por Julio Prates de Castilhos (1860-1903). Esta constituição previa reeleições. Com as alterações feitas na constituição, após cinco mandatos de Augusto Borges de Medeiros, encerrou-se sua hegemonia política no estado, ocorrendo a indicação de Getúlio Vargas (1882-1954), como candidato único, que, em janeiro de 1928, foi empossado Presidente do Estado. O vice-presidente eleito, nas eleições de 1927, foi João Neves da Fontoura (1887-1963).

GETÚLIO VARGAS

Em seu governo, Getúlio Vargas se voltou para uma política de atendimento dos interesses dos produtores. Criou o Banco do Rio Grande do Sul (Banrisul), cujo objetivo era apoiar a agricultura e a pecuária, por meio de carteira de crédito às atividades rurais. Desenvolveu as rodovias e reduziu as tarifas ferroviárias. Na área da educação, aumentou o número de professores e criou novos estabelecimentos de ensino.

Em 1928, Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954), com seu peculiar estrategismo político, uniu chimangos e maragatos, tradicionais inimigos históricos, compondo a Frente Única Gaúcha (FUG) por elementos do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) e do Partido Libertador (PL). Este último, reunindo o grupo parlamentarista (maragato), foi fundado, em 1928, pelo médico e jornalista Raul Pilla (1892-1973) e por Joaquim Francisco de Assis Brasil (1857- 1938), Getúlio Vargas ao assumir o governo, em 25 de janeiro de 1928, iniciou as conversações com a oposição, recebendo no palácio membros do Partido Libertador (PL). A Frente Única Gaúcha (FUG) se integrou, em 1929, à Campanha da Aliança Liberal (Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul) combatendo a candidatura para a presidência da república do paulista Julio Prestes de Albuquerque (1882- 1946), que contava com o apoio de 17 estados.

Naquela ocasião, o governador mineiro Antônio Carlos Ribeiro de Andrada não teve seu nome indicado, pelo presidente Washington Luís (1869-1957), para ser o candidato à presidência, resultando na ruptura do pacto entre Minas Gerais e São Paulo, conhecido como a “Política do Café com Leite”. Esta política oligárquica, efetivada pelo presidente Campos Sales (1841-1913), era marcada pelo revezamento destes estados no comando da Nação. A atitude do presidente Washington Luís, rompendo com o pacto político, fez com que Minas Gerais aderisse à Aliança Liberal.

Realizada às eleições presidenciais, em 1º de março de 1930, na qual Getúlio Vargas concorreu, confirmou-se a vitória do candidato paulista Júlio Prestes. Neste contexto, Washington Luís passou a hostilizar e perseguir os presidentes de estado que haviam apoiado a Getúlio Vargas, gerando mais descontentamento.

Devido à crise econômica, causada pela quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, os cafeicultores pediram indenização ao recém-eleito presidente. Este se recusou, mas Getúlio Vargas, que havia sido derrotado no pleito, comprometeu-se em comprar o café estocado, desde que o apoiassem. As eleições fraudulentas e o assassinato do paraibano João Pessoa, em 26 de julho de 1930, candidato a vicepresidente, na chapa de Getúlio Vargas, recrudesceram a oposição ao governo. No dia 03 de outubro 1930, às 17h, em Porto Alegre, Flores da Cunha (1880-1959) e Oswaldo Aranha (1884-1960) tomaram o Quartel General, 3ª Região, na Rua da Praia, dando início à Revolução de 30 que resultaria na vitória da Aliança Liberal e Getúlio Vargas na Presidência da República.

Os acervos fotográficos de época registram Getúlio Vargas fardado de brigadiano durante toda a Revolução de 30. No espaço de 21 dias, a Aliança Liberal se tornou vitoriosa. Às 17 horas, de 24 de outubro de 1930, o presidente Washington Luís era deposto pelos chefes militares. Os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e o Almirante Isaías de Noronha, em 24 de outubro, derrubaram Washington Luís, constituindo uma junta militar de governo que passou a presidência do país a Getúlio Vargas. O Gen. Tasso Fragosso (1869 -1945) entregou o poder a Getúlio Dornelles Vargas, encerrando o período que ficou conhecido como República Velha ou Primeira República (1889-1930). Naquele momento, éramos 30.600.000 brasileiros.

Com Getúlio Dornelles Vargas, empossado, em 03 de novembro de 1930, na presidência do Brasil, uma nova fase política e econômica se iniciou no País. Ele governou o país no período de 1930 a 1945, incluindo o período da Ditadura do Estado Novo (1937-1945), retornando ao poder pela vontade popular, em 1951, onde permaneceu até 1954, quando se suicidou no dia 24 de agosto, causando uma verdadeira comoção popular durante o seu funeral.


por Carolina Bouvie
Fonte: blog Cantinho Gaúcho

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