Obra contrapõe o período áureo das ferrovias com a atual situação de decomposição da malha brasileira LANÇA FILMES/DIVULGAÇÃO/JC Car...
Obra contrapõe o período áureo das ferrovias com a atual situação de decomposição da malha brasileira
LANÇA FILMES/DIVULGAÇÃO/JC
Caroline da Silva
Estreia nacionalmente nesta quinta-feira (27), em São Paulo, uma bela produção gaúcha escrita, dirigida e produzida por Alvaro de Carvalho Neto. Com distribuição da Lança Filmes, o sensível documentário Depois do fim entrou nos cinemas de Porto Alegre e Santa Maria na semana passada. Na Capital, o longa segue em exibição na Sala Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana (Andradas, 736), com sessões às 19h30min, até 3 de julho.
A obra contrapõe o período áureo das ferrovias com a atual situação de decomposição da malha brasileira, aludindo ao fim de uma trajetória. Chegando perto da finitude de sua própria vida, aos 90 anos, o ex-comandante de trem aposentado Evaristo de Moraes conduz a narrativa do filme, por paisagens deslumbrantes e cenários desoladores.
Filho de um artífice da via férrea do início do século XX, ele já era conhecido das estações. A câmera, seguindo o veterano, mostra como a estrutura se encontra hoje, com ele recordando como era no período em que trabalhava, posicionando-se exatamente entre o apogeu estético e econômico e a decadência física e social.
O caminho dos trilhos e o som e a imagem do vapor embalam as recordações do antigo ferroviário. No interior dos vagões, Evaristo dá voz às suas memórias. Apoiando-se em sua bengala, ele vai percorrendo estações e locomotivas abandonadas e um patrimônio entregando-se à deterioração da ferrugem, ao vandalismo das pichações e ao esquecimento fatal. A vegetação que cresce ao redor das ruínas do que sobrou funciona como uma massa de apagamento para a melancolia de quem vivenciou outro período.
Em seu depoimento, a passagem do final dos anos 1960 para o início dos 1970 foi difícil, com o protagonismo do diesel como combustível: "Não demorou muito para os trens ficarem em segundo plano. Aí mesmo que nos atiraram na sucata. Sabíamos que o desmanche era programado, mas tínhamos que ficar quietos. Não entendo até hoje como o País pôde dar as costas às ferrovias". Para Evaristo, foi "uma dor no coração" ver as locomotivas serem cortadas.
A première internacional de Depois do fim está prevista para o segundo semestre, na Alemanha. A produção tem participação especial do escritor Arcolau Antônio Bender, engrandecida com a direção de fotografia de Pedro Rocha, a montagem de Alfredo Barros e a música assinada por Leo Henkin - todos profissionais premiados em suas áreas.
Segundo Henkin, a trilha foi inspirada nas histórias de vida, nas partidas e chegadas, na lástima comovente de um homem que foi apartado de sua paixão. Para tal, fez uma imersão nostálgica nos sons da sua infância: "É o lamento despertado pelo vigor dos relatos de uma época dourada que teve seu triste ocaso, em mais uma das insanidades cometidas neste País. É o lamento que ecoa das memórias e das imagens, dos vapores que viraram dores, do movimento que virou silêncio".
O road movie viaja por Bento Gonçalves, Carlos Barbosa, Muçum, Marcelino Ramos, Pelotas, São Pedro do Sul, Santana do Livramento e Uruguaiana, mostrando as fronteiras com Uruguai, Argentina, Santa Catarina e Oceano Atlântico. Pelos olhos da equipe, os espectadores também podem visitar as maiores estruturas ferroviárias da América Latina: a ponte do Entrocamento, sobre o rio Santa Maria; a ponte metálica mais longa, com 1,5 quilômetro em Cacequi; e o segundo viaduto mais alto do mundo, o V13, com 150 metros de altura e 509 metros de extensão, em Vespasiano Corrêa.
A obra é um grande convite à preservação de nossa história, trazendo memória material e imaterial do meio de transporte mais importante do Brasil no século XX. O documentário traz imagens de arquivo, áudios recuperados das entrevistas e fotos antigas da pesquisa.
O filme antigo reproduzido apresenta a inauguração da catedral, o embarque na estação de Santa Maria e a partida do trem. Segundo o pesquisador de cinema Glênio Póvoas, são as imagens em movimento mais antigas preservadas no Rio Grande do Sul. Cerimônia e Festa na Igreja de Santa Maria - Estação data de 1909 e foi realizado por Eduardo Hirtz.
Fonte: Jornal do Comércio
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